sábado, 31 de outubro de 2015

O Desenvolvimento das Políticas Nacionais sobre Medicina Tradicional/Medicina Complementar e Alternativa

ÂNGELO GIOVANI RODRIGUES

Nesta palestra discorrerei sobre o processo de desenvolvimento das Políticas Nacionais voltadas para o que a Organização Mundial de Saúde (OMS) denomina como Medicina Tradicional/Medicina Complementar Alternativa. Essas políticas nacionais são: Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (SUS).
O Governo Federal instituiu um Grupo de Trabalho Interministerial para elaborar a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, em virtude das vantagens e oportunidades que o país oferece para desenvolvimento do setor, tais como: a grande biodiversidade; ampla diversidade cultural e social; o conhecimento tradicional sobre o uso de plantas medicinais; tecnologia para validação do uso dessas plantas; interesse institucional de desenvolvimento de programas e produtos, demonstrado pela crescente demanda dos municípios brasileiros em implantar programas de fitoterapia no SUS; crescimento do mercado de fitoterápicos, que atualmente está em torno de 10 a 14% ao ano; possibilidade de contribuir na redução da dependência de insumos importados utilizados na fabricação de medicamentos; e, finalmente, o grande potencial dos fitoterápicos como importante fonte de inovação em saúde. Outra vantagem para o desenvolvimento do setor no Brasil é o grande número de estabelecimentos agropecuários de pequenos agricultores e de agricultura familiar com potencial para produção de plantas medicinais.
Neste contexto, os princípios que nortearam a elaboração da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos foram: ampliação das opções terapêuticas aos usuários do SUS; maior inclusão social e desenvolvimento da cadeia produtiva como um todo; articulação das ações entre os diversos Ministérios com competência na cadeia produtiva; fortalecimento da indústria nacional na área de fitoterápicos; desenvolvimento científico e tecnológico; redução da dependência tecnológica; enfrentamento das desigualdades regionais e inclusão social; uso sustentável da biodiversidade; valorização, valoração e preservação do conhecimento tradicional; e a interação entre os setores público e privado.
A demanda por uma Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos para o país é antiga. Em 2001 o Ministério da Saúde, criou um Grupo de Trabalho que elaborou uma proposta de Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos.
Essa proposta foi validada em fórum nacional, contando com quatrocentos e sessenta participantes de todos os setores envolvidos com a cadeia produtiva que, em função da mudança de governo, não se consolidou, mas que se constituiu em um importante instrumento para elaboração da nossa atual Política Nacional.

A estratégia de elaboração da Política Nacional foi a criação, em fevereiro de 2005, de um Grupo de Trabalho Interministerial coordenado pelo Ministério da Saúde com participação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Casa Civil da Presidência da República, Integração Nacional, Indústria e Comércio, Desenvolvimento Agrário, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Optou-se pela distribuição destas representações em quatro subgrupos de trabalho nas seguintes áreas: regulamentação sanitária; cadeia produtiva e desenvolvimento sustentável; pesquisa e desenvolvimento; e acesso às plantas medicinais e fitoterápicos. O grupo da regulamentação sanitária ficou sob a responsabilidade da Anvisa, que discutiu todas as demandas de regulamentação ou necessidades de adequação das já existentes. O grupo da cadeia produtiva e desenvolvimento sustentável ficaram sob a responsabilidade dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente; o grupo de pesquisa e desenvolvimento com o Ministério da Ciência e Tecnologia; e o de acesso às plantas medicinais e fitoterápicos com Ministério da Saúde. Cada grupo contou com a participação de representantes de todos os outros Ministérios, além de especialistas. O trabalho desses subgrupos configurou-se em uma construção coletiva. Os subsídios para a elaboração dessa proposta
de Política Nacional foram as recomendações das Conferências Nacionais, dos Fóruns, Reuniões Técnicas, além da consulta a legislação nacional e internacional.
O objetivo geral da política é garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional.
É uma Política ampla que trata de toda a cadeia produtiva de plantas medicinais e fitoterápicos. Entre as diretrizes da Política pode-se citar: a regulamentação do cultivo, manejo sustentável, produção, distribuição e uso de plantas medicinais e fitoterápicos; a promoção da formação técnica e científica e a capacitação do setor de plantas medicinas; o incentivo à formação e capacitação de recursos humanos; o fomento à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico com base na biodiversidade brasileira, abrangendo espécies nativas e exóticas adaptadas; a promoção da interação entre o setor público e a iniciativa privada, universidades e centros de pesquisa; o apoio à implantação de plataformas tecnológicas; a garantia e a promoção da segurança, da eficácia e da qualidade no acesso a plantas medicinais e fitoterápicos; a promoção e o reconhecimento das práticas populares de uso de plantas medicinais e remédios caseiros; a promoção da adoção de boas práticas de cultivo e manipulação de plantas medicinais; a promoção do uso sustentável da biodiversidade e a repartição de benefícios; a promoção da inclusão da agricultura familiar nas cadeias produtivas; o estimulo à produção de fitoterápicos em escala industrial; o estabelecimento de políticas intersetoriais para desenvolvimento socioeconômico na área; o estabelecimento de mecanismos de incentivo para a inserção da cadeia produtiva de fitoterápicos no processo de fortalecimento da indústria farmacêutica nacional.
A Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos foi aprovada por meio do Decreto Presidencial nª 5.813, em 22 de junho de 2006. O Decreto aprovou a Política Nacional e criou um Grupo de Trabalho Interministerial para elaboração do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Nesta nova etapa foi inserido o Ministério da Cultura, em virtude da interface de ações desenvolvidas por este Ministério com a área de conhecimento tradicional, plantas medicinais e fitoterápicos.
Quanto à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS, as Conferências Nacionais de Saúde desde 1998 vêm recomendando a introdução das plantas medicinais, da fitoterapia, da homeopatia e outras práticas integrativas e complementares dentro do Sistema Oficial de Saúde. É também uma recomendação da OMS, desde a Declaração de Alma Ata, em 1978, que seus Estados-Membros elaborem Políticas que promovam a aproximação entre os detentores de conhecimento tradicional e a medicina sanitária ocidental moderna, para que os remédios e práticas tradicionais possam ser validados e usados na atenção à saúde dos povos.
Esta recomendação advém do fato de que grande parte da população dos países em desenvolvimento utiliza plantas medicinais em suas diversas formas farmacêuticas para os cuidados básicos da saúde. Em virtude disto, outra importante Política Nacional aprovada em 2006, foi a de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS, atendendo às recomendações da OMS. Esta Política foi aprovada por meio da Portaria nª 971, de 03 de maio de 2006, e contempla as áreas de plantas medicinais e fitoterapia, homeopatia, medicina tradicional chinesa/acupuntura, termalismo social/crenoterapia. Posteriormente, a Portaria nª 1600, de julho de 2006, incluiu nessa Política a medicina antroposófica.
Esta Política representa um grande avanço dentro do Sistema Único de Saúde por permitir a ampliação das opções terapêuticas aos usuários, muitas delas já implantadas em municípios brasileiros. No caso da fitoterapia existem aproximadamente cento e dezessseis municípios brasileiros que têm ações ou programas de fitoterapia, alguns em fase de implantação e outros com ações implantadas aproximadamente há vinte anos. Em alguns programas existem regulamentações estaduais para os serviços de fitoterapia. A Política objetiva harmonizar essas ações que ocorrem de forma diferenciada no SUS. Existem programas que usam apenas plantas in natura; outros trabalham com medicamentos manipulados em farmácia ou oficina de manipulação; outros, com medicamentos industrializados. Atualmente os programas seguem regulamentações existentes, que não contemplam as peculiaridades para a fitoterapia no SUS, como também para a homeopatia.
No âmbito da PNPIC, a proposta para Plantas Medicinais e Fitoterapia visa ampliar as opções terapêuticas dos usuários do SUS, com garantia de acesso às plantas medicinais e fitoterápicos e serviços relacionados à fitoterapia, garantindo a segurança, a eficácia e a qualidade na perspectiva da integralidade da atenção à saúde.
O processo de construção dessa Política iniciou-se em 2003, com a criação de grupos de trabalho compostos por representantes do governo e por várias Associações nacionais envolvidas com o tema. O Grupo da Fitoterapia, coordenado pelo Departamento de Assistência Farmacêutica (DAF/SCTIE), contou com representantes da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS/DAB, DAE), Secretaria Executiva,
Anvisa, Fiocruz, Secretaria Estadual de Santa Catarina, “Programa Farmácia Viva” e organizações da sociedade civil, como a Associação Brasileira de Fitoterapia em Serviços Públicos (ASSOCIOFITO), Sociedade Brasileira de Fitomedicina (SOBRAFITO), Rede Latino Americana de Plantas Medicinais (RELIPLAM) e o – Instituto Brasileiro de Plantas Medicinais (IBPM), Após a elaboração do documento, a Política Nacional foi pactuada na Comissão Intergestores Tripartite, aprovada no Conselho Nacional de Saúde e finalmente publicada por meio de Portaria Ministerial.
As diretrizes da Proposta para Plantas Medicinais e Fitoterapia, dentro da PNPIC, são: elaboração da Relação Nacional de Plantas Medicinais e da Relação Nacional de Fitoterápicos; provimento do acesso a plantas medicinais e fitoterápicos para os usuários do SUS; formação e educação permanente dos profissionais de saúde em plantas medicinais e fitoterapia; ampliação da participação popular e controle social; incentivo à pesquisa e desenvolvimento de plantas medicinais e fitoterápicos, priorizando a biodiversidade do país; promoção do uso racional de plantas medicinais e dos fitoterápicos no SUS; acompanhamento e avaliação da inserção e implementação das plantas medicinais e fitoterapia no SUS; garantia do monitoramento da qualidade dos fitoterápicos pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária; estabelecimento de política de financiamento para o desenvolvimento de ações.
A Relação Nacional de Plantas Medicinais e a Relação Nacional de Fitoterápicos irão orientar os gestores e os profissionais de saúde sobre quais as espécies a serem utilizadas e como utilizá-las no Sistema. Para sua elaboração realizou-se um levantamento em todos os municípios brasileiros (visando contemplar espécies de todos os biomas) sobre quais espécies são utilizadas nos programas, para qual fim são utilizadas, quais são os critérios de seleção para sua inclusão na relação municipal e etc. A partir daí elaborou-se uma lista contendo duzentas e oitenta e oito espécies de plantas para submissão aos critérios de inclusão/exclusão na Relação Nacional. Realizou-se um levantamento das pesquisas existentes no país com relação a essas espécies em banco de dados, monografias, farmacopéias e internet. Concomitantemente realizou-se um levantamento das principais enfermidades que podem ser tratadas com plantas medicinais que são cobertas pela atenção básica. Por meio dos resultados obtidos neste levantamento, elaborou-se uma lista em de acordo com os critérios pré-estabelecidos. As Relações Nacionais serão acompanhadas de guias/monografias que orientarão os profissionais e gestores de saúde.
Quanto ao provimento do acesso a plantas medicinais e fitoterápicos aos usuários do SUS, são quatro os produtos que podem ser disponibilizados: planta fresca, planta seca, fitoterápico manipulado e fitoterápico industrializado.
A política de financiamento do Ministério da Saúde para essa Política se baseia no apoio à implantação de serviços no Sistema; apoio à pesquisa; apoio à produção de fitoterápicos pelos laboratórios oficiais e capacitação dos profissionais de saúde.


sexta-feira, 24 de abril de 2015

O Todo e a Unidade: O Fio da Vida

Grande avó, figura ancestral, 
Que me ensina a fiar o meu destino! 
Ajuda-me a reconhecer 
O potencial que trago em mim, 
Capaz, de tecer um mundo de paz! 
Vem, Avó, comigo criar o sonho do mundo 
E desenhar, no fio da vida, 
O meu sonho pessoal! 
Avó Aranha, enxergo no seu bordado 
Os múltiplos padrões do destino de todos nós. 
Obrigada, Avó, porque na Dança da Vida 
Descobrimos que não estamos sós! 

Victória Gramacho


Avó Aranha 

    Na rede universal, todas as coisas estão inter-relacionadas. Cada coisa faz parte do Todo, e só podemos entender cada uma em si quando conseguimos compreender a forma como ela se conecta com as demais partes deste Uno. O arquétipo destes ensinamentos é a Avó Aranha. Observe: quando ela tece a sua teia nos lembra que o Universo é uma rede onde tudo está inter-relacionado. Na teia da Avó Aranha estão os ensinamentos sobre nosso passado, presente e futuro. Por meio de seus círculos, pontos e fios invisíveis aprendemos que as relações não clareadas devidamente no passado não conseguem fluir no presente e comprometem nosso crescimento visando o futuro.
    Ao tecer a sua teia, a Aranha nos alerta para o fato de que tudo passa — o futuro pode ser já. O presente daqui a pouco é passado. Ou seja, a Avó chama a atenção para se ver que a Criação vive o processo de uma constante mudança. Assim ocorre com os seres humanos que nascem, crescem, envelhecem e morrem, entrando para o mundo espiritual para novamente renascer na carne em ondas de energia... e morrer e nascer e mudar... e fluir... e se transmutar em vida-morte-vida...
    As mudanças não acontecem por acaso ou por acidentes. Elas ocorrem em ciclos e padrões. O que é importante é ter a consciência de que todo este processo está inter-relacionado. Cada mudança está conectada às outras coisas e cada processo faz parte de um todo que é Uno, indivisível.    
    Para nos permitirmos fluir é preciso buscar a clareza. Isso pode começar pelo entendimento de que assim como o mundo físico é real, o mundo espiritual também o é. E, embora haja leis distintas que governam cada um destes mundos, o desrespeito às leis de um destes pianos pode afetar o outro. Uma vida equilibrada, que nos permite viver sem estar preso nos nós da teia do nosso destino, é aquela que honra as leis de ambas as dimensões.
    A Medicina da Aranha ensina sobre as nossas infinitas possibilidades de (e como) construir os fios da teia da Vida, com bons frutos, para vivê-la tranquilamente ao longo do Tempo, observando-se os planos eternos e a necessidade de expansividade. Ela é considerada, ainda, a guardiã ancestral das linguagens e alfabetos primordiais que, revelam as tradições, eram formados por linhas geométricas e ângulos presentes nas suas teias. Assim é que esta Avó ensina aos humanos que eles sempre podem adquirir novos dons, desde que se empenhem e trabalhem para consegui-los. A primeira tarefa é ver em que ponto da teia estão os nossos medos para, apossando-se da coragem, atravessá-los com honestidade e integridade.

"A Aranha é a manifestação da energia feminina, da força criadora que tece os belos desenhos da vida, e sua teia possui centenas de intrincados padrões que capturam a luz do alvorecer." (Jamie Sams, in Cartas Xamânicas).

A Mulher Aranha (Tse Che Nako) 

    Os nativos norte-americanos, em particular os Cherokee, Hopi, Kiowa, honram a Mulher Aranha como a criadora e tecelã da Teia da Vida, a Mãe, mestra e protetora de todas as criaturas.
    Além de possuir a Sabedoria ilimitada, ela detém o conhecimento
profético do futuro e tanto pode se apresentar como uma jovem, uma anciã, quanto como uma Aranha que revela seu conhecimento sussurrando no ouvido daquele que sabe ouvi-la. A Mulher Aranha, na opinião dos nativos, é velha como o Tempo e jovem como a Eternidade.
    Conta a tradição que a Mulher Aranha — Tse Che Nako, na língua hopi — teceu dois fios prateados, um ligando o Leste ao Oeste, o outro unindo o Norte ao Sul, e desta forma criou a Estrada da Vida. Depois de tecer estes fios, a Mulher Aranha cantou uma canção criando, a partir do som, as suas filhas gêmeas Ut Set e Nau Ut, que trouxeram o Sol, a Lua, as Estrelas e o movimento da Terra.
    Ela criou toda a vegetação, os pássaros, os animais e modelou, no barro, as quatro raças dos homens (vermelhos, brancos, amarelos e negros). Depois ela teceu uma teia mágica de amor e sabedoria e amarrou os fios prateados nas cabeças dos homens, ensinando-os que esta seria a maneira de manterem a conexão com Ela para receberem sua sabedoria espiritual. Os hopi chamam este fio de kopavi (o chakra localizado no alto da cabeça, o coronário). O homem precisa manter este ponto sempre aberto para a Deusa para que possa obter espiritualidade, criação e força vital.
    Foi a Mulher Aranha, que é cultuada pelos hopi como uma Deusa suprema, pois vem do tempo em que só havia escuridão, quem ensinou às mulheres a tecer e fazer cerâmica e, aos homens, como plantar e cuidar da terra.

Retirado do livro "Magia Xamanica: Roda de Cura." de Derval Gramacho e Victória Gramacho. Editora Madras.